Análise: Moroi

Moroi é um daqueles jogos que desafiam qualquer tentativa de categorização simples. Desenvolvido por Violent Saint, este título indie disponível para PC apresenta-se como um RPG de ação com elementos grotescos, absurdos e oníricos, onde a narrativa e a jogabilidade colidem de forma imprevisível. Com um preço de entrada de 14,99€, Moroi não é um jogo para todos. Desde os primeiros minutos, percebemos que estamos perante uma experiência diferente, difícil de rotular, e ainda mais difícil de explicar. É uma viagem alucinada por um mundo distorcido que exige do jogador não só paciência como também uma enorme tolerância ao bizarro. Ao contrário da maioria dos jogos que apresentam uma estrutura clássica de tutorial, progressão e mecânicas intuitivas, Moroi mergulha o jogador diretamente num universo caótico, repleto de imagens perturbadoras, puzzles enigmáticos e personagens que parecem saídas de um pesadelo. Aqui não há mão a guiar, apenas uma sucessão de acontecimentos que se desenrolam como um sonho febril. É um jogo que se ama ou se odeia, mas dificilmente se esquece.

Jogabilidade

A jogabilidade de Moroi é, no mínimo, estranha. A perspetiva de cima para baixo remete imediatamente para títulos como Hotline Miami, mas qualquer semelhança com a precisão frenética desse clássico desaparece assim que começamos a controlar o protagonista. O movimento é flutuante, quase etéreo, como se estivéssemos a controlar um boneco num sonho onde a física tem regras próprias. Por vezes, esta sensação funciona a favor do jogo, dando-lhe uma aura surreal; noutras, torna os combates frustrantes e pouco precisos. O combate é baseado em duas armas: uma de corpo a corpo, como espadas ou maças, e uma de longo alcance, como metralhadoras ou lançadores de foguetes. A ideia parece promissora, mas a execução deixa a desejar. Os combates são rápidos, caóticos e altamente letais, com ataques em área que podem matar o jogador num instante. Há momentos em que sentimos que a vitória depende mais da sorte do que da habilidade, e a rolagem evasiva, supostamente uma ferramenta estratégica, acaba muitas vezes por nos prender num canto ou no meio de um ataque inescapável. Pior ainda, os fatalities animados, que deveriam ser recompensadores, deixam-nos vulneráveis, podendo resultar na nossa morte a meio da animação.

Para além do combate, Moroi aposta na exploração e resolução de puzzles. Aqui o jogo brilha mais, ainda que com muitos percalços. Há enigmas espalhados pelo mundo, com soluções nem sempre claras, e muitas portas com critérios misteriosos de funcionamento: algumas precisam de chaves, outras de puzzles resolvidos, NPCs contactados ou simplesmente de um botão escondido num canto escuro. O jogo pouco ou nada explica, e cabe ao jogador descobrir as regras, o que tanto pode ser estimulante como exasperante.

Mundo e história

O mundo de Moroi é o verdadeiro protagonista da experiência. Desde o momento em que acordamos numa prisão húmida sob a chuva, encarnando uma criatura anã de olhos brilhantes, percebemos que a lógica convencional não se aplica. Em poucos minutos, estamos a alimentar um triturador de carne consciente com membros humanos, a negociar com um feiticeiro malcriado em troca de pó de ossos, ou a oferecer sal a uma velha cega que acaba por ser arrastada para um caldeirão de substância verde radioativa. É um desfile de cenas grotescas, bizarras e ao mesmo tempo fascinantes. A narrativa de Moroi não segue uma linha clara. É contada por eventos, interações e pequenos fragmentos de texto que o jogador vai recolhendo. Há visões, alucinações, e personagens crípticas que lançam frases enigmáticas antes de explodirem ou desaparecerem. Um dos momentos mais memoráveis é o encontro com um meio-homem-porco acorrentado, cuja cabeça explode revelando um pergaminho com uma invocação mágica. Esta sequência resume bem o espírito do jogo: imprevisível, estranho e perturbador. Apesar do seu tom caótico, o mundo de Moroi é coerente dentro da sua própria lógica. Existe uma sensação de continuidade e intenção por detrás de cada evento, mesmo que essa intenção nos escape. É como folhear um diário de sonhos de um artista perturbado, onde cada página conta uma história diferente mas faz parte de um todo.

Grafismo

Visualmente, Moroi aposta num estilo retro com um toque steampunk grotesco. A estética geral remete para jogos indie de baixo orçamento, com sprites simples mas expressivos. O design dos personagens é deliberadamente desconfortável: criaturas deformadas, humanos mutilados, e máquinas orgânicas criam uma sensação constante de inquietação. O cenário da prisão, com as suas engrenagens enferrujadas, tubos respiratórios pulsantes e caldeirões de substâncias viscosas, define bem o tom geral.

Apesar de tecnicamente modesto, o grafismo consegue transmitir a atmosfera de pesadelo desejada. As cores são esbatidas, muitas vezes dominadas por tons de verde, castanho e vermelho, reforçando o ambiente tóxico e decadente. Pequenos detalhes, como os olhos brilhantes das personagens ou os tentáculos a emergirem de líquidos espessos, contribuem para a sensação de um mundo vivo e hostil. Ainda assim, nem tudo é positivo. A leitura visual nem sempre é clara. É comum não percebermos se uma porta está trancada, se é destrutível ou se faz parte do cenário. O interface também poderia ser mais intuitivo, e em algumas zonas o excesso de elementos visuais confunde mais do que ajuda.

Som

O som em Moroi é outro elemento que reforça o seu carácter desconcertante. A banda sonora é composta por ambientes sonoros inquietantes, muitas vezes minimalistas, que lembram um Brian Eno em má disposição. O resultado é eficaz: sentimos constantemente que algo está errado, mesmo quando aparentemente nada se passa. Há uma tensão latente em cada corredor, um desconforto que nunca nos abandona. Os efeitos sonoros, embora simples, são funcionais. Os ruídos mecânicos das máquinas, os grunhidos das criaturas, os estalidos de ossos a partir ou os sons viscosos dos líquidos criam uma paisagem sonora coerente com a estética visual. Não há grande variedade, mas tudo contribui para a imersão. A ausência de vozes ou música convencional ajuda a manter o foco na estranheza do mundo. Quando há som, ele sobressai. Quando há silêncio, esse silêncio pesa. Moroi usa o som como uma ferramenta de desconforto, e fá-lo com mestria.

Conclusão

Moroi é um jogo profundamente estranho, e essa estranheza é tanto a sua maior virtude como o seu maior defeito. Para quem procura experiências tradicionais, com mecânicas bem polidas, narrativa clara e progressão lógica, este jogo será uma enorme frustração. Mas para os que têm um gosto pelo bizarro, pelo experimental e pelo desconfortável, Moroi oferece algo que poucos jogos conseguem: uma viagem única por um mundo distorcido onde nada faz sentido, mas tudo tem um propósito.

A jogabilidade poderia ser mais refinada, o combate menos aleatório e os puzzles mais claros. Os bugs ocasionais e a lógica arbitrária de progressão também afastarão muitos jogadores. No entanto, para aqueles dispostos a aceitar as suas regras, ou a falta delas, Moroi recompensa com momentos verdadeiramente memoráveis e um ambiente que fica connosco muito depois de desligarmos o ecrã. É, em última análise, um jogo que exige entrega total. Quem comprar o bilhete, que esteja preparado para a viagem. Porque esta é uma experiência que não se explica – vive-se. E, para alguns, esse será precisamente o seu maior trunfo.

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