Utopia Must Fall é um daqueles jogos que, à primeira vista, parece mais uma experiência nostálgica do que um título com ambições modernas. O trailer deixa imediatamente claro que este é um jogo que se inspira fortemente em clássicos como Asteroids e Space Invaders, com uma estética retro muito marcada e uma jogabilidade simples. No entanto, há aqui mais do que apenas uma homenagem ao passado. Desenvolvido pela Pixel Jam, Utopia Must Fall encaixa-se na categoria de autoshooter com elementos roguelike, oferecendo uma experiência desafiante, frenética e, acima de tudo, viciante. Embora não traga uma proposta particularmente inovadora, consegue agarrar o jogador pela sua execução sólida e pelo ritmo alucinante que impõe desde o primeiro segundo.
Jogabilidade
A jogabilidade é extremamente simples e acessível, mas não se deixe enganar: por detrás do seu minimalismo está um jogo exigente. Em Utopia Must Fall, controlamos uma torre fixa na parte inferior do ecrã, encarregada de proteger uma cidade contra vagas diárias de naves alienígenas. Cada dia representa uma nova ronda de inimigos, cada vez mais numerosos e resistentes. A cidade está protegida por um escudo que aguenta alguns impactos, mas basta um momento de descuido para tudo ir por água abaixo. No final de cada dia, o jogador pode escolher entre várias melhorias. Estas vão desde o reforço do escudo, melhorias diretas na torre ou investimento em investigação que desbloqueia novas opções a médio e longo prazo. É aqui que o jogo revela o seu lado estratégico: optar por melhorias imediatas pode garantir a sobrevivência no curto prazo, mas ignorar a investigação pode ser fatal nas rondas mais avançadas. A aleatoriedade das opções disponíveis obriga a adaptações constantes e aumenta a rejogabilidade, mas também pode causar frustração quando o fator sorte pesa mais do que a habilidade. Ao longo do jogo, surgem ainda bosses que representam picos abruptos de dificuldade, muitas vezes impossíveis de ultrapassar na primeira tentativa. Estas unidades mais poderosas funcionam como testes à eficácia das escolhas feitas nas fases anteriores, e por vezes como muros intransponíveis que exigem múltiplas tentativas para serem vencidos.

Mundo e história
A narrativa de Utopia Must Fall é extremamente minimalista, servindo apenas como pano de fundo para a ação. O planeta está a ser invadido por máquinas alienígenas, e cabe-nos defender as cidades uma a uma até à destruição inevitável. Não existem personagens, diálogos ou desenvolvimento narrativo digno de destaque. A história é contada mais pela atmosfera e progressão do que por palavras. Este minimalismo narrativo pode ser visto como um ponto fraco para quem procura profundidade e envolvimento emocional, mas acaba por funcionar dentro da proposta do jogo. O foco está totalmente na ação e na tomada de decisões estratégicas, e não há distrações desnecessárias. A ausência de narrativa não afeta o ritmo, e até reforça a sensação de urgência e desespero que o jogo quer transmitir. A cada nova tentativa, sabemos que o fim é certo — resta apenas tentar adiá-lo o máximo possível.
Grafismo
O visual de Utopia Must Fall é talvez o seu traço mais marcante. Com um estilo retro que lembra os jogos do ZX Spectrum, mas com uma paleta de cores psicadélica e animações vibrantes, o jogo apresenta-se como uma verdadeira viagem visual. O ambiente é reminiscente de Asteroids, com a adição de inimigos inspirados em Space Invaders, resultando numa fusão visual que evoca a era dourada dos arcades com um toque moderno. Este estilo gráfico não será para todos. Quem não aprecia visuais retro poderá sentir alguma repulsa inicial, mas é inegável que o jogo tem identidade própria. A simplicidade das formas contrasta com o caos do ecrã, especialmente nas fases mais avançadas, onde explosões, disparos e dezenas de inimigos se acumulam. Apesar da confusão visual, o jogo mantém-se legível, e é fácil perceber o que está a acontecer em cada momento.

Som
A componente sonora de Utopia Must Fall é funcional e discreta. Não há grandes composições ou momentos musicais memoráveis. Na verdade, a música de fundo é praticamente ausente durante a ação, existindo apenas uma melodia calma quando não há combate. Esta escolha pode parecer estranha, mas acaba por fazer sentido dentro da proposta do jogo. Os efeitos sonoros são o verdadeiro motor da componente áudio. Cada disparo, impacto e explosão é acompanhado de sons bem definidos, contribuindo para a sensação de caos e intensidade. A ausência de música durante as fases de combate permite que os efeitos se destaquem e mantenham o jogador alerta. Ainda assim, uma banda sonora mais presente poderia ter acrescentado uma camada extra de emoção e dinamismo à experiência.
Conclusão
Utopia Must Fall é um jogo pequeno, direto e eficaz. Não tenta reinventar a roda, nem precisa. A sua proposta é clara: oferecer uma experiência arcade desafiante com elementos de progressão e aleatoriedade típicos dos roguelikes. A jogabilidade simples esconde uma profundidade estratégica interessante, que recompensa o planeamento e castiga o descuido. A estética retro pode não agradar a todos, mas é coesa e bem executada, e os picos de dificuldade mantêm o jogador em constante tensão. O maior defeito do jogo reside talvez na ausência de progressão entre partidas. Ao contrário de muitos roguelikes modernos, aqui não há desbloqueios permanentes, nem melhorias que se mantenham de tentativa para tentativa. Cada morte leva-nos de volta ao início, sem nada a mostrar além do conhecimento que adquirimos. Para alguns, isso poderá ser suficiente. Para outros, poderá tornar a experiência mais frustrante do que recompensadora. Ainda assim, pelo seu preço acessível, ritmo intenso e execução competente, Utopia Must Fall merece ser jogado por todos os fãs do género. Não é uma revolução, mas é uma homenagem bem feita a uma era mais simples dos videojogos, com o toque moderno necessário para se manter relevante.