Willow Guard é um RPG de ação com um toque muito próprio, desenvolvido pelo estúdio MiTale, que aposta tudo numa experiência narrativa imersiva onde a história assume um papel de destaque. Com personagens antropomórficas e um cenário medieval marcado por mistério e decadência, o jogo transporta-nos para uma aventura com alma de livro interativo, misturando elementos de construção de baralho, combate isométrico e exploração investigativa. Ao contrário de muitos RPGs que apostam em mundos vastos mas vazios, Willow Guard foca-se num mapa mais contido mas riquíssimo em pormenores e personalidade. Assumimos o papel de Ghweros, um texugo da ordem dos Willowguard, enviado para investigar uma série de ataques de monstros numa aldeia isolada nas Terras do Norte. O jogo é um exemplo claro de como é possível criar algo distinto, mesmo utilizando fórmulas conhecidas. A aposta na narrativa, nas personagens bem escritas e num sistema de progressão assente em decisões estratégicas faz com que cada sessão de jogo tenha peso e importância. Embora não se trate de um título AAA, a paixão e cuidado colocados em cada elemento são palpáveis. Willow Guard é uma proposta diferente, que procura conquistar o jogador com subtileza e profundidade, e que recompensa a atenção ao detalhe tanto nos diálogos como nas mecânicas.
Jogabilidade
A jogabilidade de Willow Guard está dividida entre dois grandes pilares: a investigação narrativa e o combate em masmorras. Nas fases mais narrativas, exploramos ambientes e interagimos com várias personagens, recolhendo pistas que funcionam como itens. Estas pistas podem ser usadas em diálogos futuros, permitindo aprofundar conversas anteriores e desbloquear novas informações. É um sistema que evoca a lógica dos velhos jogos de aventura point-and-click, mas com uma execução mais fluida e natural. Não existem setas ou guias a indicar o caminho certo — o jogo confia no jogador para explorar, interpretar e decidir. E essa confiança é refrescante. Por outro lado, o combate desenrola-se em ambientes isométricos e combina ação em tempo real com construção de baralho. Antes de cada incursão, o jogador escolhe um conjunto de cartas que poderá vir a usar, cada uma representando habilidades, melhorias, armas ou bónus diversos. Durante o combate, à medida que derrotamos inimigos ou interagimos com o cenário, vamos ganhando direito a sacar novas cartas, podendo escolher entre duas e ativar a que melhor se adequa ao momento. A sensação de progressão não vem de níveis ou atributos, mas sim das cartas que colecionamos e melhoramos com materiais obtidos durante os combates. Este sistema promove a experimentação e permite adaptar a abordagem de cada jogador. Quem prefere uma jogabilidade mais ofensiva pode apostar em cartas de ataque e confiar na destreza para evitar dano. Quem procura segurança pode reforçar defesas e garantir hipóteses mais altas de sacar cartas de cura. A liberdade é grande e, acima de tudo, recompensadora. Cada escolha tem impacto real e cada falha serve de lição para melhorar nas próximas tentativas.

Mundo e história
O mundo de Willow Guard é pequeno, mas meticulosamente desenhado. Começamos como forasteiros, trazidos de barco para uma terra em desespero, onde uma aldeia sofre ataques cíclicos de monstros que ameaçam dizimar o que resta da sua população. A nossa missão é perceber o que está por detrás destes ataques e como podemos ajudar. Não há um fio condutor óbvio ou uma seta luminosa a apontar o próximo passo. A progressão dá-se através da investigação e da construção gradual de uma teia de relações, pistas e descobertas. As pistas recolhidas funcionam como peças de um puzzle que o jogador deve montar, sem soluções fáceis ou atalhos. Este estilo de narrativa ativa coloca o jogador no centro da investigação, dando-lhe liberdade para decidir onde ir, quem interrogar e o que perguntar. As consequências podem ser novas zonas desbloqueadas, eventos únicos ou recompensas em forma de cartas e recursos. Ao contrário de muitos jogos que oferecem escolhas ilusórias, Willow Guard permite realmente moldar a experiência através da curiosidade e da atenção ao detalhe.
A escrita das personagens é sólida e cheia de nuance. Cada figura tem uma história, uma atitude distinta, um passado que se nota tanto nas palavras como na forma como se apresentam. Há uma sensação constante de que o mundo vive para além do jogador, o que ajuda imenso à imersão. O sistema de ciclos de manhã e noite reforça esta ideia, já que influencia quem encontramos e que eventos podem surgir, criando uma dinâmica orgânica entre narrativa e exploração.
Grafismo
Willow Guard é um jogo visualmente distinto, com uma direção artística que foge aos padrões habituais dos RPGs de ação. O estilo gráfico é ilustrado, com cores gastas, linhas rugosas e texturas que evocam pergaminhos antigos ou livros de fábulas. Há uma beleza melancólica nos cenários e nas personagens, com uma estética que casa perfeitamente com o tom narrativo da aventura. Tudo parece ligeiramente gasto, um pouco envelhecido, mas nunca feio ou desleixado — pelo contrário, é uma representação visual do mundo em decadência onde nos movemos. As personagens têm expressões faciais detalhadas e roupas que mudam consoante o ponto da história, o que ajuda bastante a transmitir emoções e dar contexto aos diálogos. As aldeias, florestas, campos e acampamentos que visitamos têm identidade própria, e mesmo sem mapas gigantes ou dezenas de biomas, o jogo consegue criar variedade através do detalhe e do ambiente. Cada local parece desenhado à mão com propósito e atenção, contribuindo para a sensação de estarmos a viver uma história cuidadosamente contada. As secções de combate optam por uma estética mais funcional, com menos detalhe artístico, mas compensam com efeitos de partículas e iluminação bem aplicados que dão vida às batalhas sem sobrecarregar o ecrã. Não é um jogo tecnicamente impressionante, mas é artisticamente competente e coerente com o seu universo.

Som
Apesar de não contar com vozes, Willow Guard compensa essa ausência com uma banda sonora atmosférica e bem integrada. A música adapta-se ao que está a acontecer, seja durante os combates, os momentos de exploração ou os diálogos mais tensos. Há uma variedade de faixas que, embora por vezes se repitam, nunca se tornam cansativas, graças ao uso inteligente de pausas, transições e silêncios. Os efeitos sonoros são discretos mas eficazes. Passos na relva, o estalar de ramos, o som do vento nas árvores, tudo contribui para criar um ambiente auditivo credível. Nos combates, os sons das armas, magias e interações com o cenário são claros e satisfatórios, ajudando à sensação de impacto e resposta. A ausência de vozes poderia ser um problema num jogo tão dependente da narrativa, mas a combinação entre música e ambiente sonoro dá conta do recado, mantendo-nos sempre dentro do universo de Willow Guard. É um trabalho sonoro que não pretende revolucionar o género, mas que cumpre o seu papel com competência e bom gosto. O som nunca distrai nem se sobrepõe — é um elemento de suporte que sabe quando brilhar e quando desaparecer.
Conclusão
Willow Guard é uma agradável surpresa num mar de RPGs genéricos. Com uma identidade forte, um foco narrativo bem executado e um sistema de combate inovador com cartas e exploração tática, o jogo da MiTale prova que é possível criar experiências memoráveis com recursos limitados, desde que haja uma visão clara e uma execução cuidada. É uma aventura que sabe dar espaço ao jogador, que recompensa a curiosidade e a atenção, e que valoriza tanto as pequenas interações como os grandes confrontos. Não é um jogo para quem procura ação constante ou progressão rápida. Exige paciência, observação e vontade de se envolver com a história e as suas personagens. Mas para quem valoriza esse tipo de abordagem, Willow Guard oferece uma jornada gratificante e cheia de personalidade. Ao fim das mais de dez horas da campanha principal, fica a vontade de continuar a explorar este mundo e conhecer novas histórias. Se a MiTale continuar a seguir este caminho, podemos esperar mais títulos que colocam a narrativa em primeiro lugar sem sacrificar a jogabilidade. Willow Guard é uma ode aos RPGs que querem contar algo e fazê-lo bem. É uma obra feita com paixão e propósito, que merece ser descoberta por quem procura mais do que números e explosões nos seus jogos.