Análise: Captain Blood

Captain Blood é um daqueles jogos cuja história de bastidores é tão ou mais interessante do que o próprio produto final. Originalmente pensado no longínquo ano de 2003, foi desenvolvido pela Akella, conhecidos pelo controverso Postal, e inspirado nos romances de Rafael Sabatini sobre pirataria no século XVII. O projeto passou por vários reboots, mudanças de direção e até uma batalha legal que o levou à prateleira em 2010. Quando tudo parecia esquecido, o código-fonte do jogo foi divulgado em sites de torrents em 2022. A editora SNEG pegou nesse material e, com a ajuda da General Arcade, decidiu dar-lhe uma segunda vida. Infelizmente, o tempo nem sempre é amigo. Apesar da curiosidade que este tipo de relançamentos pode suscitar, Captain Blood é um produto enraizado em 2006, com todos os vícios e limitações dessa era. O resultado final, mesmo com algum polimento recente, é um jogo que nunca consegue justificar o tempo que lhe foi dedicado nem o entusiasmo do seu regresso. Esta análise explora o que corre bem, o que corre mal e por que razão Captain Blood é mais um naufrágio do que uma aventura memorável.

Jogabilidade

Captain Blood apresenta-se como um hack and slash centrado em combate corpo-a-corpo com espadas e pistolas, num estilo típico da primeira metade dos anos 2000. O jogador controla o protagonista com dois sabres, realizando ataques leves e pesados, que podem ser combinados em pequenos combos. Há também uma pistola que permite afastar temporariamente inimigos e granadas para causar dano em grupo. O jogo introduz ainda armas temporárias, como espadas mais poderosas ou mosquetes, e um sistema de execução que permite eliminar inimigos mais fracos de forma imediata. Existe também uma mecânica de fúria que se vai preenchendo com o dano infligido aos adversários. Quando ativada, esta fúria aumenta o dano do jogador durante um curto período. À superfície, estas opções oferecem alguma variedade. No entanto, os problemas rapidamente se acumulam. A dificuldade sofre de picos mal calibrados e, muitas vezes, o jogador encontra-se cercado por tantos inimigos que basta ser atingido uma vez para cair num combo impossível de interromper, o que leva a mortes frustrantes.

Pior ainda, há falhas mecânicas gritantes que deviam ter sido resolvidas durante o último ciclo de desenvolvimento. Por exemplo, durante as execuções, a barra de fúria continua a esgotar-se, tornando inútil a combinação entre os dois sistemas. Noutra secção, o jogador tem de usar uma torre automática para destruir navios inimigos, mas um dos navios dispara constantemente contra a torre sem hipótese de ser destruído ou evitado, interrompendo continuamente o jogador e criando uma secção absurda e frustrante.

Mundo e história

A narrativa de Captain Blood decorre em 1685, nas Caraíbas, e segue o protagonista homónimo, um pirata musculado e estoico cujo único passatempo é eliminar espanhóis ao som do aço das suas espadas. Apesar de ter origem nos romances de Sabatini, o jogo rapidamente descarta qualquer tentativa de fidelidade histórica ou desenvolvimento narrativo interessante. A história começa com uma motivação vaga para ganhar ouro, que nunca é explicada, e rapidamente descamba numa sucessão de batalhas sangrentas sem grande justificação ou progressão narrativa. Captain Blood é um protagonista vazio. Não se sabe o que o motiva, o que sente ou sequer se gosta da vida de pirata. Há uma ausência completa de humor, emoção ou conflito interno. É um avatar funcional, mas sem alma, que falha em criar empatia ou curiosidade. Mesmo protagonistas mudos, como o de Sid Meier’s Pirates!, conseguem transmitir mais personalidade do que esta versão digital insípida. Ao longo do jogo, surgem cutscenes que tentam contextualizar a ação, mas estas são tão mal executadas que acabam por distrair mais do que enriquecer. A narrativa nunca passa de um pano de fundo mal pintado, e o mundo em que o jogo decorre, embora inspirado numa era fascinante, é reduzido a um cliché de pirataria sem profundidade nem carisma.

Grafismo

Visualmente, Captain Blood mostra claramente a sua idade. Desenvolvido para a geração da Xbox original e mais tarde adaptado para a Xbox 360, o jogo tem texturas planas, modelos pouco detalhados e animações datadas. Não há grande esforço em modernizar ou atualizar a apresentação visual para os padrões atuais, e mesmo com a nostalgia como desculpa, a estética deixa a desejar. As cutscenes, além de mal animadas, sofrem de problemas técnicos evidentes, como glitches visuais e transições abruptas. As animações de combate são repetitivas e pouco naturais, e os inimigos apresentam pouca variedade visual, o que contribui para a sensação de monotonia ao fim de poucas horas. É verdade que o jogo nunca foi terminado com os recursos de uma grande produção, mas mesmo dentro do seu contexto, falta-lhe o charme visual de outros títulos da mesma época. Há um esforço em criar ambientes de combate movimentados, com navios e fortalezas, mas a execução é inconsistente e raramente impressiona.

Som

O som é um dos aspetos mais problemáticos de Captain Blood. A mistura de áudio é tão mal feita que muitas vezes não se ouve o que os personagens dizem, com os efeitos sonoros a abafarem os diálogos ou vice-versa. Acresce o facto de os subtítulos só poderem ser ativados a partir do menu principal, o que agrava ainda mais a compreensão da história, já de si pouco clara. Os efeitos sonoros também pecam pela sua inconsistência. Há animações que disparam sons várias vezes sem necessidade, outras que não têm som absolutamente nenhum. A banda sonora é funcional, mas esquecível, e nunca consegue transmitir a emoção ou o tom de uma aventura épica de pirataria. Em vez disso, serve apenas como ruído de fundo, sem se destacar ou contribuir significativamente para a atmosfera do jogo. No geral, o design sonoro parece inacabado, como se tivesse sido deixado para o fim do desenvolvimento e nunca tivesse passado por uma fase de polimento. Isto prejudica fortemente a imersão e transforma o som numa fonte de frustração em vez de complemento à experiência.

Conclusão

Captain Blood é um caso curioso de um projeto ressuscitado que talvez devesse ter permanecido enterrado. A sua longa e atribulada história de desenvolvimento podia ter resultado num jogo com alma e carácter, uma relíquia perdida que finalmente encontrava o seu público. Infelizmente, o que recebemos é um produto inacabado, desatualizado e cheio de pequenos problemas que, acumulados, destroem qualquer prazer que pudesse ser retirado da experiência. A jogabilidade, apesar de ter uma base funcional, é repetitiva e mal equilibrada. A história é insípida, o protagonista desinteressante, e os problemas técnicos abundam. Mesmo quem sente nostalgia pelos tempos da Xbox 360 encontrará aqui uma experiência cansativa, que não faz justiça ao espírito de aventura e liberdade associado à temática da pirataria. Embora o esforço de preservar jogos esquecidos seja meritório, Captain Blood não tem argumentos suficientes para justificar o seu retorno. É um título que se destaca mais pela sua história fora do ecrã do que por aquilo que oferece enquanto videojogo. Para os curiosos, talvez valha a pena experimentar como curiosidade histórica. Para todos os outros, há muitas melhores aventuras nos sete mares digitais.

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