Lies of P é um soulslike que chegou com grande expectativa, não só por seguir a linhagem de títulos influenciados pela FromSoftware, mas também pela sua premissa única: uma reinterpretação sombria da história de Pinóquio, passada num mundo inspirado pela Belle Époque. Desenvolvido pela NEOWIZ, o jogo foi seguido de perto pelos fãs do género desde os primeiros trailers, graças ao seu estilo visual impressionante, atmosfera densa e um combate que prometia misturar elementos de Sekiro: Shadows Die Twice e Dark Souls. A promessa de um jogo que combinasse uma estética singular com mecânicas refinadas de combate era, por si só, motivo suficiente para gerar entusiasmo. Mas Lies of P é mais do que um simples clone de Souls com uma skin de conto de fadas. O jogo tenta encontrar uma identidade própria, adicionando novas mecânicas, ajustando o ritmo do combate e oferecendo uma narrativa envolvente com personagens memoráveis. A comparação com outros títulos do género é inevitável, mas Lies of P esforça-se para ser mais do que a soma das suas influências. O resultado é um jogo com falhas evidentes, mas com uma alma única que o torna uma das experiências mais interessantes e refrescantes dentro do universo soulslike dos últimos anos.
Jogabilidade
Lies of P oferece um sistema de combate agressivo, onde o jogador é encorajado a enfrentar os inimigos de frente, em vez de se esconder atrás de uma postura defensiva. O jogo introduz a mecânica de Guard Regain, que permite recuperar parte da vida perdida ao bloquear ataques inimigos e contra-atacar rapidamente. Esta abordagem recompensa uma atitude proativa e torna o combate mais dinâmico, afastando-se do tradicional bloqueio e esquiva que dominam o género. As opções iniciais de construção de personagem são definidas pela escolha de uma entre três armas base, cada uma representando um estilo diferente: força, destreza e equilíbrio. A personalização do estilo de jogo é limitada quando comparada com títulos como Elden Ring, mas suficientemente eficaz para criar variações na abordagem ao combate. A árvore de talentos, ou P-Organ, permite desbloquear habilidades passivas e melhorias úteis, embora as escolhas disponíveis sejam geralmente óbvias e não incentivem muita experimentação.
Uma das adições mais interessantes à jogabilidade é a possibilidade de quebrar armas inimigas através de bloqueios perfeitos. Esta mecânica adiciona uma camada tática aos confrontos, especialmente contra inimigos mais duros ou minibosses, cuja arma partida os torna significativamente menos perigosos. No entanto, a mesma lógica aplica-se ao jogador: a durabilidade das armas pode ser um problema, especialmente em combates longos ou contra inimigos que aplicam efeitos corrosivos.
Os combates contra bosses são, como seria de esperar, o verdadeiro destaque do jogo. Ainda que alguns sejam reaproveitados da demo, como os dois primeiros, a dificuldade vai aumentando progressivamente e alguns dos bosses mais avançados apresentam múltiplas fases, efeitos de estado e ataques imparáveis. Há um equilíbrio algo frágil entre desafio justo e frustração, mas a opção de invocar um Spectre — uma espécie de NPC aliado — para ajudar em certos combates é bem-vinda e não torna o jogo demasiado fácil, mas oferece uma margem de erro para os momentos mais exigentes. O principal problema de Lies of P ao nível da jogabilidade está na gestão da barra de stamina. O jogo encoraja um estilo agressivo, mas todas as ações consomem stamina: ataques, bloqueios, esquivas e corrida. Se não investirmos bastante nesta estatística, rapidamente nos encontramos sem energia para fazer o que o jogo pede. A falta de alternativas viáveis em termos de builds agrava esta situação, tornando algumas escolhas iniciais em verdadeiras armadilhas para jogadores menos experientes.

Mundo e história
O mundo de Lies of P é a cidade de Krat, um lugar outrora próspero que mergulhou no caos após uma série de eventos catastróficos envolvendo marionetas e uma praga devastadora. A história mistura elementos de ficção científica, horror gótico e fantasia, com inspiração óbvia em obras como Frankenstein e na própria narrativa original de Carlo Collodi, ainda que profundamente distorcida e adaptada a uma estética mais adulta e sombria. O jogador assume o papel de Pinóquio, aqui representado como uma marioneta de combate com uma aparência humana e uma missão clara: encontrar Geppetto e salvar Krat da destruição total. Ao longo da jornada, o jogador irá interagir com várias personagens importantes, como Sophia, uma reinterpretação da Fada Azul, e outros residentes do Hotel Krat, o centro de operações e hub principal do jogo. O enredo desenvolve-se gradualmente, através de diálogos, cutscenes e documentos espalhados pelo mundo, à semelhança de outros jogos do género.
Uma das escolhas narrativas mais interessantes do jogo é o sistema de mentiras. Como marioneta, Pinóquio tem a capacidade de mentir — algo que vai contra a sua natureza — e essas mentiras influenciam o desenrolar da história e o final obtido. Esta mecânica acrescenta um toque de originalidade à narrativa e oferece alguma rejogabilidade, incentivando o jogador a explorar diferentes decisões em múltiplas passagens. A cidade de Krat é rica em detalhes e a sua arquitetura transmite bem a sensação de um mundo em declínio. Apesar disso, a variedade de inimigos deixa algo a desejar, com muitos inimigos a serem reaproveitados ao longo das zonas. A repetição de marionetas e criaturas semelhantes, mesmo nas fases finais, retira um pouco do impacto que a ambientação consegue criar. No entanto, a inclusão de missões secundárias, muitas delas com recompensas significativas, motiva a exploração e quebra a monotonia dos caminhos lineares entre boss fights.
Grafismo
Lies of P é visualmente impressionante. A estética Belle Époque confere-lhe uma identidade visual distinta, que se destaca imediatamente de outros jogos do género. As ruas empedradas, os edifícios de inspiração europeia e os interiores decorados com requinte transportam-nos para uma época de decadência elegante, contrastada com a destruição e horror que se espalham pelo mundo. O design das personagens é igualmente detalhado, com um destaque especial para Pinóquio e os vários bosses que enfrentamos. As animações são fluidas, e os ataques dos inimigos são suficientemente telegráficos para permitir reações rápidas, sem deixar de parecer naturais. A interface é limpa, funcional e respeita a linguagem visual habitual do género, sem se tornar intrusiva. No entanto, nem tudo é perfeito. Alguns cenários parecem mais vazios do que deveriam, e em certas zonas existe uma repetição de texturas e layouts que denuncia algumas limitações orçamentais. Apesar disso, a direção artística consegue compensar a maior parte das falhas técnicas, apresentando um mundo coeso, imersivo e memorável. O sistema de moda, ou fashion souls, está bem implementado. É possível alterar o vestuário de Pinóquio sem impacto nas estatísticas, permitindo uma personalização visual livre e divertida. Trocar de roupa tornou-se uma rotina entre combates, oferecendo um toque leve e refrescante a um jogo de tom geralmente sombrio.

Som
O trabalho sonoro de Lies of P é competente, embora menos marcante do que o visual. A banda sonora acompanha bem os diferentes momentos do jogo, com temas melancólicos nas zonas mais calmas e composições mais intensas durante os combates. Ainda assim, falta-lhe aquele tema icónico que fica na memória, como acontece com outros jogos do género. Os efeitos sonoros, por outro lado, são bastante sólidos. Os sons dos impactos, dos passos nas diferentes superfícies e dos gritos dos inimigos contribuem para a atmosfera pesada e opressiva de Krat. O som das armas, em particular, transmite bem o peso e a violência dos combates, o que é essencial para este tipo de experiência. A dobragem em inglês cumpre os mínimos, com algumas interpretações de qualidade variável. Algumas personagens principais têm vozes marcantes e conseguem transmitir emoção, mas há outras que parecem mais genéricas ou robóticas, o que retira um pouco de imersão. Felizmente, o texto e os menus estão traduzidos, o que ajuda a manter a atenção nos momentos mais complexos da narrativa.
Conclusão
Lies of P é uma surpresa agradável no universo dos jogos soulslike. Apesar de não reinventar a roda, consegue apresentar uma abordagem fresca e envolvente ao género, com uma estética memorável, um sistema de combate satisfatório e uma narrativa que mistura familiaridade com originalidade. Os seus defeitos — como a escassa variedade de inimigos, a falta de flexibilidade nas builds e o foco excessivo na gestão da stamina — não chegam a comprometer a experiência, embora sejam pontos a ter em conta. É um jogo que brilha mais pela sua personalidade e ambiente do que pela profundidade mecânica, mas isso não é necessariamente negativo. O prazer de explorar Krat, derrotar bosses desafiantes e moldar o destino de Pinóquio através das suas mentiras oferece horas de jogo recompensadoras. É também um título que mostra como é possível pegar numa história clássica e dar-lhe uma nova vida, sem cair na armadilha do pastiche ou da simples reciclagem. Se és fã de soulslikes, Lies of P é uma adição obrigatória à tua biblioteca. E mesmo que não sejas, a acessibilidade oferecida pelos Spectres e a curva de dificuldade relativamente equilibrada tornam este jogo uma boa porta de entrada no género. Entre marionetas enlouquecidas, bosses implacáveis e uma cidade mergulhada no caos, Lies of P consegue algo raro: fazer-nos sentir que estamos a jogar algo verdadeiramente diferente. E isso, num género tão saturado, vale ouro.