Look Outside é um daqueles jogos que chegam sem aviso, sem marketing ou trailers chamativos, mas que conseguem deixar uma marca profunda em quem se aventura pelas suas entranhas. Com distribuição pela Devolver Digital, o título apresenta-se com uma estética retro que remete aos tempos da SNES ou da primeira PlayStation, utilizando gráficos em pixel art e uma perspetiva isométrica que pode levar qualquer um a duvidar da sua capacidade de provocar verdadeiro terror. No entanto, bastam poucos minutos para perceber que a aparência modesta de Look Outside esconde um pesadelo grotesco, desconfortável e fascinante. A sua força reside na subtileza e no uso inteligente dos elementos visuais e sonoros, criando uma experiência de horror psicológico que se entranha lentamente.
A premissa é simples, mas eficaz: qualquer pessoa que olhe para o exterior transforma-se numa criatura deformada, vítima de uma presença misteriosa que parece querer moldar o mundo à sua imagem. O jogador acorda no seu apartamento, com apenas duas semanas para sobreviver antes que algo pior aconteça. O tempo avança em dias, e a rotina torna-se essencial para manter a sanidade, ao mesmo tempo que se investiga o mistério e se tenta ajudar (ou apenas sobreviver) entre os vizinhos igualmente assustados. Look Outside não tenta reinventar o género, mas sim destilar o que funciona melhor no horror, apresentando-o de forma crua, criativa e eficaz.
Jogabilidade
Look Outside adota um sistema de RPG tradicional com combate por turnos, crafting, exploração e um ciclo de dia e noite que dita o ritmo da ação. No entanto, o foco principal da jogabilidade está mais na sobrevivência e na gestão da rotina do protagonista do que propriamente nas batalhas. O jogador precisa de comer, tomar banho, escovar os dentes e até jogar videojogos para manter o moral em alta. Estas ações não são meramente estéticas, pois aumentam a saúde máxima ou a resistência para combates mais exigentes. O sistema de combate, embora competente, não oferece muitas surpresas. Utilizamos objetos do quotidiano como armas e improvisamos armaduras com o que encontrarmos, enfrentando criaturas que parecem ter saído diretamente de um pesadelo. Há picos de dificuldade que quebram um pouco o ritmo e podem causar frustração, agravados por um sistema de gravação de progresso algo limitado, obrigando o jogador a voltar atrás mais vezes do que o desejável. Ainda assim, o jogo recompensa a coragem com pontos de experiência extra sempre que o jogador prolonga a exploração enquanto o medidor de medo aumenta. Esta mecânica, simples mas eficaz, incentiva a manter-se em zonas perigosas apenas mais um pouco, criando um ciclo viciante entre risco e recompensa.

Mundo e história
O mundo de Look Outside está centrado num único edifício de apartamentos, mas é um microcosmo rico em tensão narrativa. A ameaça que paira no exterior é omnipresente e os poucos vizinhos ainda conscientes vivem em constante medo. Há um sentido de comunidade distorcida, com personagens excêntricos que oferecem missões secundárias, vendem armas ou, em casos raros, oferecem ajuda em combate. Um dos vizinhos mais marcantes é representado por um simples olho a espreitar pelas rachas da parede, que serve de ponto de gravação e comenta o desenrolar dos acontecimentos com um misto de cinismo e desespero. A história é contada em fragmentos, tanto através de diálogos como de ambientes cuidadosamente construídos. Há uma clara influência de obras como Silent Hill e filmes como REC, onde a ameaça é tanto física como psicológica. O desconhecido é o verdadeiro inimigo, e o jogo nunca revela completamente o que está a acontecer, deixando espaço para a imaginação preencher os vazios. O jogador é empurrado a explorar, mesmo sabendo que algo horrível o espera a cada esquina. A progressão narrativa é orgânica, e as descobertas mais marcantes surgem da curiosidade, em vez de serem empurradas por cinemáticas ou tutoriais.
Grafismo
A estética de Look Outside pode parecer limitada à primeira vista, mas é precisamente essa limitação que se torna uma das suas maiores forças. A pixel art, detalhada e densa, recorre a fragmentos visuais para sugerir horrores sem os mostrar diretamente, obrigando o jogador a completar mentalmente a imagem com a sua imaginação. É uma abordagem eficaz que potencia a tensão e o desconforto. O uso de sombras, luzes mínimas e cores saturadas cria um ambiente constantemente opressivo. Os corredores escuros do prédio, os apartamentos vazios e os corpos contorcidos que encontramos pelo caminho são apresentados com um equilíbrio notável entre sugestão e grotesco. Há cenas particularmente marcantes, como a fusão entre um adulto e um bebé, cujos braços estão cobertos de pequenos dentes e olhos espalhados pelo corpo. A constante presença de olhos nas criaturas e nos ambientes reforça o tema da observação e da perda de identidade. A direção artística é coesa e transmite sempre a sensação de que algo está ligeiramente errado, mesmo quando aparentemente tudo está calmo.

Som
Se os visuais são eficazes em criar desconforto, o som é aquilo que verdadeiramente sustenta a experiência de terror em Look Outside. O design sonoro é impressionante, utilizando ruídos ambientais, gritos distantes, rangidos, batidas em portas e silêncios prolongados para manter o jogador num estado de alerta constante. Cada passo pode desencadear um som perturbador, e a ausência de música durante grande parte da exploração só reforça o peso da atmosfera. A sensação de que algo está sempre à espreita é amplificada por pequenos detalhes sonoros que surgem sem aviso, como sussurros abafados ou um som agudo que ecoa de um canto escuro. O jogo recorre a sons não para assustar com sustos baratos, mas para alimentar uma tensão constante. Mesmo as interações mais simples no apartamento – tomar banho, cozinhar, ligar a televisão – estão acompanhadas de efeitos sonoros que nunca deixam o jogador relaxar completamente. É uma experiência auditiva rica, perturbadora e inesquecível.
Conclusão
Look Outside é um exemplo brilhante de como o terror pode ser transmitido com meios simples, desde que bem executados. A sua apresentação retro, aliada a um design sonoro de excelência e uma direção artística perturbadora, cria uma experiência coesa que se destaca no género. A jogabilidade, embora com alguns pontos menos polidos como o sistema de gravação ou os picos de dificuldade, consegue manter o interesse graças à sua componente de sobrevivência e gestão do quotidiano, que oferece uma ligação emocional ao protagonista pouco comum em jogos de terror. Não será um título que entre nos cânones clássicos do género ao lado de nomes como Resident Evil ou Silent Hill, mas merecia. Look Outside não precisa de grandiosidade para deixar a sua marca. A sua narrativa fragmentada, a ambientação opressiva e os momentos de verdadeiro desconforto fazem dele uma pérola escondida para quem procura um terror mais psicológico e menos dependente de efeitos especiais. Uma verdadeira surpresa, e uma experiência que ficará na memória muito depois de desligar a consola.