Análise: Sonokuni

Sonokuni é um daqueles jogos que, à primeira vista, parece apenas mais um clone estilizado de Hotline Miami, com uma estética violenta e gameplay frenético. No entanto, bastam alguns minutos para perceber que há muito mais aqui do que apenas reflexos rápidos e um contador de mortes. Desenvolvido pela Don Yasa Crew, um grupo japonês que se destaca também pela sua vertente musical, Sonokuni junta o melhor da ação arcade com uma narrativa surpreendentemente densa, fortemente enraizada em temas culturais e existenciais. O resultado é um jogo curto, mas intenso, que desafia o jogador tanto em termos de habilidade como de interpretação.

Jogabilidade

A estrutura do jogo é simples na teoria, mas exigente na prática. Jogamos como Takeru, enfrentando hordas de inimigos num sistema de combate onde um erro significa morte instantânea. O jogo é jogado numa perspetiva aérea, com cada sala a funcionar como um puzzle de combate. Os inimigos possuem ataques específicos que o jogador deve aprender a identificar e reagir rapidamente, recorrendo a ataques, defesas ou fugas estratégicas. A mecânica de ritmo é subtil, mas presente: os padrões de ataque dos inimigos e o próprio design das salas parecem pensados para criar um fluxo que recompensa reflexos treinados e decisões em frações de segundo.

A jogabilidade é complementada por uma habilidade de desaceleração do tempo, essencial para sobreviver nas secções mais caóticas. Esta habilidade tem uso limitado nos modos mais difíceis, mas no modo mais acessível pode ser usada sem restrições, permitindo aos jogadores menos experientes usufruir da experiência sem frustrações excessivas. Existe também uma vertente de rejogabilidade interessante, com caminhos alternativos e opções de speedrun desbloqueadas após a conclusão inicial. Apesar da diversão proporcionada, há alguns pontos a melhorar. O sistema de gravação automática só guarda o progresso no início de cada nível, o que pode ser frustrante em sessões mais curtas. Uma opção de gravação intermédia tornaria a experiência mais conveniente. Ainda assim, o ritmo rápido de reinício das salas reduz o impacto destas limitações.

Mundo e história

O que verdadeiramente diferencia Sonokuni de outros jogos do género é a sua narrativa. A história desenrola-se numa aldeia chamada Sonokuni, onde Takeru vive. Este mundo está em conflito com uma raça chamada Wanokuni, que desenvolveu uma forma de alcançar a imortalidade através de uma pílula que os transforma em seres humanoides com características vegetais. A assimilação desta pílula divide a população, com alguns membros da aldeia a considerarem as vantagens científicas aceitáveis, enquanto outros, como Takeru, resistem ferozmente à perda de identidade cultural. Takeru é mais do que apenas uma guerreira: é também uma assassina em série de membros Wanokuni. Este detalhe é revelado de forma gradual e acrescenta uma camada de tensão e complexidade moral à narrativa. A história aprofunda-se ainda com elementos de fantasia, com Takeru a ser acompanhada por duas vozes interiores que oferecem perspetivas diferentes sobre os eventos e o seu papel no mundo. Esta componente simbólica torna-se essencial para compreender a mensagem do jogo sobre identidade, pertença e resistência à assimilação. Apesar de a narrativa não ocupar o centro da experiência como acontece em RPGs, é suficientemente envolvente para motivar o jogador a continuar, funcionando como recompensa narrativa para o progresso no gameplay.

Grafismo

Visualmente, Sonokuni é um espetáculo estilizado que mistura o minimalismo com a extravagância. As cores são vibrantes e o design das personagens destaca-se pela sua excentricidade. Os inimigos Wanokuni, com cabeças em forma de plantas, criam uma sensação de estranheza que contribui para o ambiente alienante do jogo. O estilo visual remete para animações experimentais e vídeos musicais, reforçando a ideia de que cada nível é também uma performance artística. As animações são fluidas e bem desenhadas, o que é essencial num jogo onde a precisão visual tem impacto direto na jogabilidade. No entanto, o jogo sofre de alguns problemas técnicos, com quebras de desempenho esporádicas que, em títulos com este nível de exigência, podem significar a diferença entre a vida e a morte. Não é algo constante, mas é uma área que merece atenção por parte dos desenvolvedores.

Som

O destaque absoluto de Sonokuni vai para a banda sonora. Criada pela própria Don Yasa Crew, a música é uma fusão explosiva de hip-hop japonês experimental com batidas eletrónicas que casam perfeitamente com o ritmo alucinante da jogabilidade. O estilo lembra grupos como Creepy Nuts, mas com uma identidade própria mais crua e agressiva. Cada faixa parece ter sido composta especificamente para elevar a adrenalina do jogador, transformando cada combate numa espécie de videoclipe interativo. O cuidado com o som estende-se também aos efeitos sonoros, que são satisfatórios e claros, ajudando o jogador a ler o caos do ecrã. Um detalhe particularmente apreciado é o facto de a música parar quando se pausa o jogo, um gesto raro que demonstra atenção ao detalhe e respeito pela experiência do jogador.

Conclusão

Sonokuni é um projeto ambicioso vindo de uma equipa pequena, que surpreende pela sua coesão estética, narrativa e mecânica. Não é um jogo para todos: o nível de dificuldade é elevado, a história exige atenção e reflexão, e os visuais e som têm uma personalidade muito forte que pode não agradar a todos. Mas para quem procura uma experiência intensa, desafiante e artisticamente ousada, é uma proposta difícil de ignorar. Apesar de alguns problemas técnicos e pequenas falhas de qualidade de vida, a experiência geral de Sonokuni é marcante. A combinação de combate rítmico e violento com uma história sobre identidade cultural e resistência à mudança cria algo único. Não é apenas um jogo de ação estilizado, é uma obra com alma. Para quem estiver disposto a mergulhar nesse mundo, Sonokuni oferece um fim de semana de frustração, superação e batidas que ficam na memória.

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