Seguir os passos de um jogo aclamado mundialmente pode parecer uma missão impossível. Hades, da Supergiant Games, redefiniu as expectativas do género roguelike isométrico com uma jogabilidade fluida, narrativa envolvente e estilo visual único. Desde então, muitos tentaram alcançar esse mesmo patamar, mas poucos conseguiram realmente destacar-se. Netherworld Covenant, um título ainda em acesso antecipado desenvolvido por apenas duas pessoas, surpreende precisamente por conseguir encontrar um equilíbrio entre inspiração e identidade própria. Com um combate refinado e um mundo sombrio cheio de potencial, o jogo oferece uma experiência que, embora ainda em crescimento, já merece ser levada a sério.
Jogabilidade
A jogabilidade de Netherworld Covenant assenta numa filosofia simples: domínio das bases. Ao contrário de muitos títulos recentes que apostam em sistemas complexos ou efeitos visuais exagerados, este jogo opta por uma abordagem mais centrada na precisão e no timing. Os combates exigem atenção e resposta rápida, mas nunca se tornam frustrantes. O jogador sente-se verdadeiramente no controlo da sua arma e das suas decisões em campo.
O combate baseia-se em esquivas precisas, bloqueios bem temporizados e uma utilização inteligente dos equipamentos e habilidades disponíveis. A par disso, temos os Companheiros de Alma, entidades espirituais com habilidades específicas consoante a classe, que oferecem apoio fundamental durante os combates. Há também uma variedade generosa de armas e artefactos que concedem bónus passivos — desde efeitos de fogo ou sangramento nas armas, até armaduras que ativam contra-ataques automáticos quando somos atingidos. Apesar de no início os sistemas parecerem um pouco estranhos, ao fim de meia hora já estamos a executar esquivas perfeitas e a combinar habilidades com naturalidade. O jogo consegue brilhar com a sua simplicidade, ao mesmo tempo que oferece uma profundidade estratégica notável para quem quiser explorar todas as opções disponíveis.

Mundo e história
A narrativa de Netherworld Covenant começa com um cenário sombrio e marcante. Somos o único sobrevivente de um grupo de guerreiros que procurava a misteriosa Lanterna do Submundo. A nossa missão, guiada por uma figura enigmática conhecida como Cavaleiro Negro, é recuperar essa lanterna e impedir que os demónios tomem o controlo definitivo sobre a terra de Languireg. A lanterna, além de nos permitir atravessar entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, dá-nos também a capacidade de purificar as almas corrompidas dos nossos antigos aliados caídos. Esta premissa, simples mas eficaz, dá um sentido claro de propósito à jornada. A busca pela redenção e a luta contra a corrupção demoníaca criam uma atmosfera emocionalmente carregada e coerente com o mundo onde tudo parece perdido.
O mundo de Languireg, apesar de minimalista, reforça constantemente essa sensação de desolação e ameaça. Cada área está repleta de inimigos grotescos, almas penadas e perigos ocultos. A exploração é estruturada em sessões roguelike, começando sempre no acampamento na fronteira, um espaço seguro entre o mundo mortal e o submundo. Aqui, podemos preparar-nos para a próxima incursão, reunir aliados espectrais, forjar armas e muito mais.
Grafismo
Visualmente, Netherworld Covenant não tenta competir com os jogos mais vistosos do género. Em vez disso, aposta num estilo pixelizado discreto, mas eficaz, que realça o tom sombrio do mundo. As áreas, embora não impressionem pelos efeitos ou detalhes, são funcionais e servem bem a atmosfera que o jogo quer transmitir. O design dos inimigos, especialmente os bosses, é onde o jogo brilha mais. Amálgamas demoníacas e figuras humanas distorcidas preenchem os ecrãs com ameaças constantes e visualmente inquietantes. A estética não é bonita no sentido tradicional, mas é perfeitamente adequada ao universo que apresenta. Além disso, o desempenho técnico é notável. Mesmo em acesso antecipado, o jogo corre a mais de 100 FPS constantes sem falhas de estabilidade. É raro ver um título tão polido nesta fase de desenvolvimento, e isso dá-nos confiança sobre a qualidade técnica da equipa responsável.

Som
A componente sonora complementa bem a experiência geral. As músicas seguem uma linha atmosférica, discreta mas eficaz, com tons graves e melancólicos que reforçam a sensação de isolamento e perigo constante. Nos momentos de combate mais intenso, a música acelera e acompanha o ritmo frenético das batalhas, sem nunca ser intrusiva. Os efeitos sonoros são igualmente bem conseguidos. Os sons das armas, os grunhidos dos inimigos e os ecos das habilidades mágicas criam um ambiente auditivo coeso e envolvente. Cada ataque tem peso, e cada esquiva bem-sucedida é recompensada com aquele breve silêncio antes do próximo embate. A ausência de vozes ou diálogos falados pode parecer uma limitação, mas, neste caso, acaba por funcionar a favor da ambientação. A narrativa vive da sugestão, dos pequenos textos e dos visuais, deixando espaço para o jogador preencher os espaços vazios com a sua própria interpretação.
Conclusão
Netherworld Covenant é uma pérola emergente no mundo dos roguelikes isométricos. Mesmo em acesso antecipado, apresenta um núcleo sólido de jogabilidade refinada, uma atmosfera bem conseguida e um mundo narrativo que, embora simples, é emocionalmente eficaz. A equipa de desenvolvimento, composta por apenas duas pessoas, conseguiu construir algo que não só presta homenagem a títulos como Hades, como também estabelece a sua própria identidade. A combinação de combate técnico, aliados espirituais personalizáveis e uma progressão clara tornam este jogo uma proposta irresistível para os fãs do género. Com atualizações futuras e melhorias visuais, o potencial para se tornar um dos grandes nomes dos roguelikes é mais do que evidente.
Netherworld Covenant pode ainda estar a dar os primeiros passos, mas fá-lo com uma confiança e qualidade que muitos títulos maiores não conseguem atingir. Para quem procura uma experiência intensa, desafiante e emocionalmente envolvente, este é um jogo a seguir de muito perto.