Bullet Noir é um jogo em acesso antecipado que aposta numa fusão entre o estilo frenético de Hotline Miami e a estética crua e contrastante de Sin City. Desenvolvido com uma clara paixão pelo género twin-stick shooter, o título apresenta-se como uma experiência intensa e atmosférica, centrada na vingança e no combate tático. Com uma cidade mergulhada em sombras e quatro protagonistas com motivações distintas, Bullet Noir tenta oferecer uma narrativa fragmentada mas interligada, envolta numa jogabilidade exigente e num estilo visual marcante. O jogo ainda está numa fase inicial de desenvolvimento, mas já mostra potencial para se tornar uma experiência de culto para fãs do género. As inspirações são evidentes, mas há também um esforço claro em criar identidade própria, seja através das mecânicas furtivas, da perspetiva aérea com câmara livre ou do sistema de capítulos que nos permite seguir diferentes personagens ao longo da narrativa. O resultado, para já, é promissor e já oferece momentos de pura adrenalina, mesmo com algumas arestas por limar.
Jogabilidade
O coração de Bullet Noir está na sua jogabilidade twin-stick, onde o jogador movimenta a personagem com uma alavanca e aponta/dispara com a outra. Esta mecânica base, já familiar a quem conhece Hotline Miami ou títulos semelhantes, é aqui complementada com algumas variações interessantes. Uma delas é a possibilidade de adotar uma abordagem furtiva, ativável com o simples pressionar de uma tecla, permitindo ao jogador eliminar inimigos sem alertar os restantes. Esta dualidade entre ação desenfreada e assassínio silencioso dá ao jogo uma camada tática que recompensa a experimentação. Cada nível é um pequeno quebra-cabeças de ação, onde a morte rápida e constante é parte do processo de aprendizagem. Entras numa sala, disparas sobre um inimigo, és morto pelas costas. Recomeças. Desta vez viras-te mais cedo, mas levas um tiro de um ângulo que desconhecias. Morres outra vez. Este ciclo de tentativa e erro é viciante, exigindo reflexos apurados, atenção ao posicionamento e gestão de munições. Sim, porque a munição aqui é escassa, e trocar de arma no meio da ação torna-se não só comum, mas vital. O jogo também oferece liberdade de câmara, permitindo ao jogador antecipar perigos fora do campo de visão imediato. Esta funcionalidade é um verdadeiro “game changer”, especialmente nos níveis mais difíceis, mas traz consigo o risco de se ser apanhado desprevenido pelas costas. A pressão constante de decidir entre ver melhor ou proteger-se acrescenta uma tensão estratégica rara neste tipo de jogo.

Mundo e história
A narrativa de Bullet Noir é contada através de capítulos, cada um centrado numa das quatro personagens jogáveis. Cada uma delas tem motivações próprias, mas todas estão ligadas pelo desejo de vingar a morte do mesmo mentor. Este ponto em comum funciona como um fio condutor que une diferentes perspetivas e estilos de jogo, tornando a experiência mais rica e variada. Apesar de a história ainda não estar totalmente desenvolvida, já se percebem as intenções: criar um drama noir onde a vingança, a corrupção e o passado das personagens têm tanto peso quanto a ação. O jogo não se limita a apresentar uma sequência de níveis soltos, mas procura contextualizar cada missão dentro do universo narrativo, dando mais peso emocional às ações do jogador. A cidade onde tudo decorre é praticamente uma personagem em si. Cada beco escuro, cada divisão mal iluminada parece carregar a memória de crimes antigos, decisões erradas e caminhos sem retorno. Esta atmosfera ajuda a reforçar o sentimento de isolamento e determinação dos protagonistas, que não lutam apenas contra inimigos armados, mas também contra os fantasmas do seu passado.
Grafismo
Visualmente, Bullet Noir aposta numa estética fortemente inspirada no estilo noir, com contrastes acentuados entre luz e sombra e um uso deliberado do preto e branco, com ocasionais salpicos de cor. Esta escolha estilística é eficaz a criar um ambiente de tensão e mistério, ao mesmo tempo que dá identidade ao jogo num mercado saturado de shooters com gráficos genéricos. Os modelos são simples mas funcionais, servindo bem o propósito de representar uma ação clara e rápida. Mais importante do que o detalhe gráfico é a legibilidade em tempo real, e Bullet Noir consegue manter essa clareza mesmo nos momentos mais caóticos. A animação das mortes, das explosões e dos tiros tem impacto, mas é na direção artística que o jogo se destaca verdadeiramente. A perspetiva aérea, tradicional no género, ganha uma nova vida com a câmara móvel, permitindo planear melhor os movimentos e explorar o mapa com mais estratégia. Esta liberdade, aliada ao estilo visual forte, cria momentos visuais marcantes, especialmente quando se entra numa sala cheia de inimigos e se sai dela deixando apenas corpos, balas e sangue contrastante no chão escuro.

Som
A componente sonora de Bullet Noir ainda está em desenvolvimento, mas já mostra sinais positivos. A música, embora minimalista, encaixa bem no tom do jogo. Existe uma pulsação constante nos temas que acentua a tensão, especialmente quando o jogador entra em combate. Não se trata de uma banda sonora cheia de temas memoráveis, mas sim de um acompanhamento atmosférico que nunca se impõe demasiado, mas está sempre presente a dar força à ação. Os efeitos sonoros são eficazes: cada disparo tem peso, cada murro ou golpe de faca soa bruto e cru, como se fosse mesmo o último recurso. Há também uma atenção interessante aos sons do ambiente — passos, portas a abrir, tiros ao longe — tudo contribui para reforçar a sensação de que estamos numa cidade viva, ainda que sombria e violenta. Se houver melhorias nesta área até ao lançamento final, especialmente na variedade sonora e no impacto emocional da música em momentos-chave da narrativa, o jogo poderá tornar-se ainda mais imersivo.
Conclusão
Bullet Noir é um jogo com uma base sólida, uma identidade visual forte e um conceito bem definido. Não é apenas mais um clone de Hotline Miami, embora beba claramente dessa fonte. É uma tentativa séria de expandir o género, introduzindo elementos furtivos, uma narrativa estruturada por personagens e uma direção artística com personalidade. Ainda tem alguns problemas técnicos e elementos por melhorar — como a câmara que pode causar algum desconforto, a inteligência artificial excessivamente precisa ou a falta de opções como gravação na cloud — mas são aspetos que se espera ver resolvidos até à versão final. O que já existe é um jogo divertido, desafiante e que te mantém em constante estado de alerta. Para quem gosta de shooters rápidos e exigentes, com uma camada narrativa noir e liberdade para experimentar estilos de jogo diferentes, Bullet Noir já merece atenção. E se o plano de desenvolvimento se cumprir e as falhas forem resolvidas, poderá vir a ser uma excelente adição ao catálogo de qualquer fã do género. Bullet Noir é, acima de tudo, um jogo de vingança. E vingar nunca foi tão estiloso.